Hiroshima mon amour de Alain Resnais

Alain Resnais. Still do filme [Still from the film] <i>Hiroshima mon amour</i>, 1959. © Argos Films
Alain Resnais. Still do filme [Still from the film] Hiroshima mon amour, 1959. © Argos Films

Um arbusto cresce ao lado de uma antiga câmara de gás em um campo de concentração; alguém sente na pele o calor insuportável do sol em uma praça-memorial construída sobre as ruínas de uma explosão nuclear. O que há, de fato, para ver e para entender naquilo que sobrevive às tragédias, aos extermínios de populações e culturas? Diante do trauma inenarrável, o que podem contar um museu, um monumento, uma ruína ou uma cicatriz? “As reconstruções, por falta de outra coisa”, “As explicações, por falta de outra coisa”, “As fotografias, por falta de outra coisa”, diz Ela, a protagonista (francesa) de Hiroshima mon amour, o clássico dirigido por Alain Resnais em 1959, na sequência inicial do filme. Ela se refere ao que encontrou em Hiroshima quase quinze anos após o bombardeamento que vitimou mais de 160 mil pessoas, mas poderia estar falando também daquilo que é encontrado por quem visita os campos de concentração nazistas, ou mesmo os museus repletos de despojos da colonização – não por acaso, temas de curtas-metragens realizados por Resnais.

Mas não. Os objetos, as fotografias, as explicações, as reconstruções não são suficientes para entender. “Você não viu nada em Hiroshima, nada”, diz o outro protagonista, Ele (japonês): mesmo com seus esforços e boas intenções, Ela não compreenderá o que se passou em Hiroshima. Essa é a primeira frase do filme, o leitmotiv que o perpassa. Não é possível ver porque não é possível entender. Não é possível entender porque há coisas, muitas vezes as coisas mais importantes, que não são visíveis. Hiroshima mon amour não busca explicar, nem reconstruir, mas apalpar a opacidade e a intraduzibilidade do testemunho. É por isso, talvez, que o filme não começa com distanciamento, mas com contato e proximidade. A câmera enquadra os corpos entrelaçados dos protagonistas, cobertos de cinzas granuladas como aquelas que embrulharam os corpos bombardeados, porém também reluzentes, com um brilho que em seguida se torna o brilho do suor de seu encontro, de sua troca de calor.

Como Ela, às vezes nos esforçamos por entender, procuramos nos aproximar de todas as formas possíveis, por todos os ângulos: lemos as explicações, visitamos os destroços, olhamos de novo cada metal retorcido, cada fotografia velha. Mas não. É impossível conhecer Hiroshima, como é impossível compreender outros atos de extrema violência de que é feita nossa história. Nunca poderemos sentir a temperatura do sol sobre a Praça da Paz, mas podemos tentar nos aproximar do indizível, tentar dar forma àquilo que não pode ter nome. A arte é, também, um desses caminhos pelos quais se busca cercar o incompreensível, não o reduzir a explicações, mas dar-lhe contorno, desenhar o alcance daquilo que irradia. Porque a tradução, embora impossível, é, ainda assim, necessária; porque nesse esforço falido aprendemos sobre nossos desejos e medos – o medo que dá não saber, não chegar a entender, ou o medo de nos sabermos capazes de atos que nunca poderemos compreender.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
Compartilhe
a- a a+