Objetos do Museu Nacional

Meteorito Santa Luzia, encontrado em 1921 [Santa Luzia Meteorite, found 1921]. Goiás, Brazil. Coleção [collection]: Setor de Meteorítica – Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro
Meteorito Santa Luzia, encontrado em 1921 [Santa Luzia Meteorite, found 1921]. Goiás, Brazil. Coleção [collection]: Setor de Meteorítica – Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro

Na noite de 2 de setembro de 2018, a sede histórica do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, foi devastada por um incêndio que destruiu quase a totalidade do acervo histórico e científico da instituição, que abrangia cerca de 20 milhões de itens. Trabalhando incansavelmente nos escombros, a equipe de resgate do museu passou meses identificando e catalogando peças que, de maneiras distintas, tinham atravessado o fogo. Algumas delas foram reunidas aqui, no começo de uma Bienal que se propõe a falar, entre outras coisas, do valor e da importância de resistir, de ir adiante incorporando a transformação como parte integral do viver e a reconstrução como tarefa de reinvenção crítica. O papel desse conjunto é essencialmente metonímico: essas peças são as partes que representam o todo, inclusive outras peças que, pelas razões mais diversas, não poderiam ser expostas aqui.

O primeiro elemento desse conjunto é uma rocha que, com o calor do incêndio, se transformou de ametista (variedade violeta de quartzo) em citrino (variedade amarela de quartzo). Trata-se de um processo demorado, o que atesta que a temperatura no museu deve ter ficado ao redor dos 450° C por várias horas. Ao absorver indelevelmente o calor, a rocha tornou-se um indício, e sua cor, uma testemunha do que aconteceu. Transformou-se, mas é a mesma rocha. Continua sendo a mesma rocha porque soube transformar-se.

O segundo elemento, uma ritxòkò, foi doado por Kaimote Kamayurá, da aldeia Karajá de Hawaló, na Ilha do Bananal, Tocantins, para ajudar na reconstituição da coleção. Simbolicamente, ela substitui uma boneca perdida no incêndio, enfatizando quanto o significado de alguns objetos transcende sua presença e até sua existência física. Com esse gesto, Kaimote Kamayurá atua como representante de um povo originário que decide contribuir ativamente para a preservação da sua cultura e para a reconstrução do acervo do Museu Nacional. Começar de novo pode ser também uma oportunidade de reiterar as parcelas dos pactos que fortalecem as partes envolvidas, criticando o que subjuga o saber de um povo à violência exploratória de outro.

O último objeto desse conjunto é o Santa Luzia, o segundo maior meteorito encontrado no Brasil, descoberto em 1921 na cidade de Santa Luzia (atual Luziânia), Goiás. Fragmentos de asteroides, cometas ou restos de planetas, ao entrar na atmosfera terrestre, atingem temperaturas superiores aos 1.000°C, suficientes, em muitos casos, para consumi-los por completo. Os fragmentos que sobrevivem, trazendo à superfície da Terra a memória de um périplo por tempos e espaços dificilmente imagináveis, são chamados de meteoritos. Temperado pela passagem pela atmosfera, o Santa Luzia emergiu totalmente ileso dos escombros do Museu Nacional.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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